opinião

São as lágrimas de março o fim do caminho?



A brutal execução da vereadora do PSOL Marielle Franco na cidade do Rio de Janeiro (RJ), na semana passada, constitui um atentado contra a segurança dos direitos humanos das tantas mulheres negras, de origem humilde, engajadas por uma vida melhor para si, para os seus e para coletividade na terra, e já combalida, democracia brasileira. Os tiros que vitimaram fatalmente Marielle, e seu motorista, Anderson Gomes, somam-se àqueles que levaram a óbito 26 policiais, somente no RJ, nos primeiros 75 dias de 2018 e os muitos civis, homens e mulheres, em sua maioria, pobres e negros, ceifados na tentativa de existir, de fruir os mais elementares e inalienáveis direitos à liberdade e à vida no país. Sangram os mortos, suas famílias e todas e todos nós, brasileiros e brasileiras, com mais esses cruéis homicídios, evidentemente premeditados e executados por profissionais, ao que tudo indica, milicianos a serviço do crime organizado.

A morte violenta de Marielle repercute internacionalmente pelo simbolismo que evoca, seja em virtude de sua trajetória individual, seja em função do contexto de uma intervenção militar, travestida de um verniz constitucional, no mínimo questionável, no Estado do Rio de Janeiro. Marielle representava um ponto fora da curva na sina que persegue a biografia das muitas mulheres jovens, negras e de periferia, as quais, a exemplo dela, insistem em (sobre)viver... Remando contra a maré, tornou-se mãe, estudante de um cursinho pré-vestibular popular, chegou à universidade. Com bolsa de estudos, virou socióloga, militante das causas feministas, da dos movimentos negros e de outras maiorias. Nessa condição, tornou-se a 5ª vereadora mais votada da cidade do Rio em 2016, com mais de 46 mil votos. Um suspiro de esperança para as juventudes cariocas e àqueles(as) oprimidos(as) pelas desigualdades (estruturais) e violências (interpessoais e institucionais), muitas delas praticadas, lamentavelmente, por bandidos de farda, que envergonham as polícias e os policiais sérios, comprometidos e dedicados, também eles vítimas ordinárias, e esquecidas, de violações perpetradas por esse mesmo Estado conspurcado pela corrupção e pela sanha privatista de uma súcia de supostos representantes do povo.

Portanto, interromper as mortes violentas na América Latina, em geral, e, no Brasil, em particular, como sustenta a aliança Instinto de Vida (www.instintodevida.org), deveria afigurar-se em um imperativo ético indeclinável para toda a cidadania. A velha e malcheirosa dicotomia que separa os ditos "cidadãos de bem" dos demais, as polícias das comunidades, a segurança pública dos direitos humanos, a técnica da política, a gestão das políticas públicas contaminam o debate político contemporâneo nacional com aporias que nos impelem do nada ao lugar nenhum. Não nos deixemos enganar pelo discurso fácil, raivoso e inconsequente de parcela da sociedade e de uma casta política que não têm qualquer compromisso com a humanidade, somente com os seus projetos partidários de ascensão política, custe o que custar.

Nesse contexto, é óbvio, ainda, que a defesa da vida não encerra uma questão ideológica. Isso porque a vitimização letal, cada vez mais cotidiana, da nossa gente, de civis e policiais, impõe, primeiro, uma tomada de consciência acerca da dimensão dessa problemática social e, depois, uma convergência de esforços e investimentos, do Estado e da sociedade civil, em prol da adoção de medidas que sejam capazes de fazer cessar esse círculo vicioso de homicídios que fere de morte o dito Estado Democrático de Direito, tornando-o figura decorativa, uma peça de ficção jurídica que insistimos em perpetuar como uma idéia-força de autopreservação contra a barbárie.

Apurar com rigor a morte da Marielle e do Anderson, responsabilizando seus algozes, é só primeiro passo para que as lágrimas deste março não sejam o fim do caminho...

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